segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Aspectos Da Inexistência

O redor estava calado e faminto. Era estranha esta chuva de analogias recicladas e também o resto que repetia sons dos animais mais ferozes. Permaneciam como usualmente as ligeirezas do quotidiano, de um lado os aspectos ensurdecedores de um Inferno morno, do outro, as gárgulas femininas ansiosas por um voo secreto numa loja de luxo. Terrores de uma vida moderna. Sentia-se complicado neste jardim de dissabores. Só se empregava à imaginação, dias fechados no quarto a resolver os indícios de coragem que vagueavam na clarabóia do ontem. Ele era o feito e o não feito. Particularmente indefinível. Esqueleto por opção. Tornara-se pouco atraente como lógica única de sedução, não queria seduzir, hoje seria uma figura inadiável. Abominava qualquer algo relacionado com o Eduardo Mãos de Tesoura. Invejava a sua sorte, seria sorte, sim, claro, ter tesouras, podia passar horas a desfigurar a cara. Agora, nada a fazer além de se atirar de sítios altos, não se magoava nem se partia, apenas aproveitava um pouco os efeitos da gravidade. Lugar de férias estava no ar, pescoços paradisíacos nos seus invisíveis orgãos internos. Sonhara com crucifixos e mediania, pensava que ser um vampiro traria vantagens ao seu processo, traria, claro que queria chapinhar em sangue alheio, sim, sim, sim. Tiques de esqueleto e nem um cão o queria. Tentou mudar o nome para Galáxia. Nem todo o mundo gostou. Chamavam-lhe pálido às horas frequentes. Costumava ser inoportuno em jantares formais, levava chápeus para esconder a falta de corpo. Era mesmo como qualquer um, mas com mente de decapitado. Com isto, tinha e voltava a ter visões de enforcamentos diários. Clamava por um génio da Matemática que o ajudasse a contar todas as vezes que se desiludiu. Lia no escuro, no seu planeta privado. Gostava da casa onde o permitiam repousar. Parede frágil em imitação de papel. Algum tipo de som psicadélico que simulasse alucinogenia.
Um amigo exterior para interiorizar todos os aspectos da inexistência.
Um chocolate intocável, lembrando as nunca-alturas do momento-sabor.
Um telhado de vidros estilhaçados de açúcar que previa o seu comportamento.
E claro, se lia algo no escuro, lia com certeza mais do que a lua. Mais do que algo que pretendia. Talvez poesia. A lua seria sua.

"Let me sing about one thing that's clear
Nobody owns
The pleasure of tones
That belongs to a guy with no ear"

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