quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Desinteresse Legalizado

Odeio todas as pessoas incluídas na esfera desta.
Todas e tudo e algo e algum e mais ainda tudo de dentro fora direita centro left.
As sentenças e os provérbios. As perdas de peso e as alegrias inconstantes.
As apresentações e os percalços. O que é proferido e contido, as palavras e formações, os desiquilíbrios e assombrações.
Os prédios e suas cidades, raparigas e seus cigarros. Cintos reluzentes e palavras pré-determinadas.
Intoxicamento da paixão, gargalhadas rastejantes, o amor que se julga por ele mesmo, beleza em conserva.
A apatia geral central localizada que controla/domina/absorve (riscar tudo o que interessa)
Doenças geladas, cultura afrontada aos pobres, discussões.
Mortalidade.
Vingança.
Cemitérios. Fraqueza. Sensações. Vazio. Falta de letras.
Falso compromisso. Igrejas. Desespero. Incoerência. Solitarismo.
Pessoas à minha frente. O deio as.

Questionamos sentido só pela finalidade. Somos felizes

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A Velha

Havia uma velha que se interessava por política mais do que por gatos, mais do que por telenovelas, mais do que por comida de gatos, mais do que por velhas.
Quando a luz do seu quarto pendia para lados menos comuns, assustava-se de maneiras tímidas desiguais.
E sentia de alguma forma que o bolo cor-de-rosa começava a dissecar no fundo mais escuro do seu frigorífico de luxo.
Fora, os cães fugiam rapidamente, numerosos carros ladravam pela noite dentro e a velha absorvia-se em detalhes alheios.
Tudo era longe.
E ela permanecia calada.
Jogava Tetris com a sua alma.

domingo, 24 de agosto de 2008

A Madrasta de Todas as Orgias

Em cavalgadas fotográficas, armamento fechado
Duras e nuvens, adivinhar pesadelos
Chamo fantasia a fumo, fumo a flores medievais
Segmentos de irmãs com conchas estrelares

É claro que uma linha difusa mostra
Delírios de activistas pirotécnicos
Barulhentos e verticais
Mas é claro de novo:

Somos estes que fogem e escapam

Um dia anulo hipóteses de existência
E vingo-me dela

O Instituto dos Pássaros Mortos

- Boa tarde, fala do Instituto dos Pássaros Mortos?

- Completamente.

- Perfeito. Queria informar que sou, neste momento, um.

- Um?

- Sim, sou um pássaro morto.

- Certo. E quando pode passar por aqui para passarmos à pós-morte?

- Sétima-feira estou livre.

- A que horas, por favor?

- Entre as 14 e as 20. Pelas 15 e 23. Antes das 22 e 12,

- Muito bem. E descobriu o segredo do preto e do branco?

- Por acaso sim. E devo dizer que estou definitivamente ansioso.

- Desculpe, ansioso para quê?

- Para isso mesmo.

- É o que nós fazemos!

- Obrigado.

- Só para finalizar as formalidades, pode dizer o seu nome?

- Er, acho que sim. Sou o ... chamo-me... o meu nome... está aqui...

- Sim?

- Sou o Gus. Internem-me.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Kitty Argyle III

O almoço num desespero, comer torna-se saciável na pobreza do redor.
Vítimas do roxo por afinidade, escondendo pílulas despidas na almofada, foi nesse dia que nos ajoelhamos por mais maquilhagem.
Que entoação educada e saltitante, os cotovelos apoiados no cobertor e o fervor entusiasta impulsivo de um visionamento sem entraves.
Rastejávamos aos solavancos, o suspense, susto a cada instante preso das imagens alastrou-se.
Tinha medo de não te saber reconhecer fora do ecrã.
Reparava em algumas crenças trocadas nessa habitual habitação. Abordava-me quando já te imaginava perdida outra vez por força demais.
Sempre farejaram quando gosto demasiado delas. Dão-se à liberdade de brincar com o garantido. De bonecas éramos feitas e assim queríamos ficar, juntinhas, mas não uma à outra. Estava indecisa quanto aos sentimentos que me provocava.
Queria redigir os estragos longe de jurisdições perversas.
A culpa de mímicas usadas transformava-me. Deliciosamente adulta tremia por mais.
Sei como era deitar-se de braços protegidos a ouvir os lábios da liderança a cravejar.
Afundava-me ainda mais no espectro da demolição que ajudara a criar.
Impensável desistir. Chamavam-nos estranhas. Tínhamos pesadelos aos pares. Sem qualquer sono envolvido. Tudo o que fizemos justificado. Castigo e aliança por merecer tão pouco.

«Quero-te ensinar uma dança.
Fechas os olhos em detalhe.
Fixas o prodígio. E sorris.
Não é bom sorrir?»

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Kitty Argyle II

As luas passadas a debater nomes de bandas, sempre doenças inexistentes, padrões de palavras agarradas ao último fio de nexo, lembro-me dela.
A sua voz de criança mimada a arranhar-me no crânio. Conheci-a.
Sinfonia em fase final de espanto, inicial na arte do crescimento.
Jogo de personagem, não a vi toda, não se permitia oferecer verdadeiramente.
Nem aos que chamava de amigos.
Toco em mistérios, e este está perto, ou esteve, pelo menos.
Apelidava como suas as aranhas, imaginava que as suas presenças estavam definidas para o seu prazer.
Um dia sei que ela mostrou mais soluços do que queria.
E tornou-se um choque para ela. Nunca mais me deixou observá-la enquanto invocava choros.
A sua sala cortada era um local de culto, mas demasiado privada para os gostos selectos das redondezas.
Sentava-se encostada à janela maior, encarando furiosamente os traços de céu.
A hora esperava, aproximava-se, queria um pouco mais de algo, não do mesmo mais.
Ela.
Parecia sempre mais bonita nas molduras em que não aparecia.
Sentia na maior parte das vezes um pulsar descontrolado que a dominava, um tipo de infelicidade contagiante aconchegante.
Mostrava sardas imprevisíveis ao longe.
Tinha saudades de si mesma.

«Vamos brincar lá para fora
Eu faço de boneca bonita
E mato-os a todos»

Kitty Argyle

Desde pequena que se mostrava dentro a si mesma. Odiava-se.
Seria um ligeiro suspiro poder respirar, aspirar o ar, levitar nos vidros mais longínquos.
Seria produto de artefactos e demónios, tocava-se regularmente a preto e branco.
A sua maior recordação não era outra. Seria nítida.
Consistia na sua visão electrificada a adormecer antes mas não de repente, primeiro a dançar, um rodopio agudo perante pares de cartas com cara, jogo combinado de reflexos e automatismos. Não havia dúvidas que seria uma exibição, talvez um ritual.
Demorava a ocultar o atroz fascínio de buscar o efeito de monstra.
Sentia-se uma monstra na amnésia presente que escolhera visitar.
Enorme, rasgos de ar a passar pelos dentes, cabelo dificilmente claro escondendo os restos de mortalidade.
Sentimento de espera.
Seria uma garagem presente num jardim passado numa cave. Com amigas cartas caras à volta.
Pediam-se para se mexer, rodava, simulava os limites de um videoclip acidental sem música.
Liberdade.
Queria construir, fora de castelos, longe de puzzles, uma ópera-rock.
Começara a trabalhá-la devagar, os violinos seriam captados com força de vontade.
Não sabia nada de música, não escutava notas, não sabia o que era uma nota. Uma gota.
Muito tempo desleixada abre as portas de cenários interiores, privados.
Tempo de filmes de terror, chocolate, tempo de ressureição.
Obcecar-se com traições que não ocorrem.
Estática no nevoeiro.

«É bom ver feios no ecrã
Se me portar bem, dão-me um par de tesouras
Posso cortar as minhas mãos com elas
De nada me servem»

domingo, 10 de agosto de 2008

Intimidade Aproximada

- Olá!

- Bom dia!

- Bom?

- Sim! Dia. Um dia bom hoje.

- Pois, não sei. levantei-me há 17 minutos.

- Certo, mas acredite em mim. Hoje é um bom dia.

- À conta de quê? Há borboletas no ar?

- Algumas...

- Onde?

- Não sei.

- Estão perto?

- Já lhe disse que não sei, mas se encontrar alguma, digo-lhe onde estão.

- É muito simpático o senhor. Como se chama?

- Sylvia.

- Nome bonito. Parece até de rapariga.

- Mais ou menos. Mas já me habituei a estar descalço.

- Eu também! E até se torna mais confortável.

- Claro que sim. Tens lume?

-Algum.

- Era só para saber.

- Muito bem. E como vai o olho?

- Melhorou, agora já posso falar em condições.

- Isso é que é preciso. Eu também ja tive alguns problemas desse género mas curei-os com um pouco de nostalgia.

- Deixe-me adivinhar. Tropeçou no acaso?

- Nem mais! E sinto-me melhor que nunca.

- Sabe como se diz, "À noite todos os gajos são parvos".

- Ora aí está! E com noites assim já só quero dias bons.

- Realmente, está um dia bom, não está?

- Bom dia, mesmo!

- Olá!