sexta-feira, 23 de maio de 2008

O Súcubo da Madrugada

Desgaste apaixonado, uma terça feira qualquer suspirava pela porta suja. Truz-truz. Chamavam-lhe o súcubo da madrugada. Vestia-se de Mestre com sandálias altas e era guiado com certeza pelo ondular clássico de um ritmo de uva seca.
Como todos os súcubos, era muito sensível e com ligeiros toques de ambição. Vendia sapatilhas em terceira mão, usava dedos postiços violeta e nos seus duvidosos engates recitava a letra de Master Of Puppets como se fosse uma técnica infalível.
Quando não jogava ténis desejava ser careca e era curiosa a sua respiração: sempre que tomava uma decisão voltava logo atrás. Circunferência do saber, os seus pulsos eram um enigma, dizia-se que os conseguia rodar inteiramente. Lendas que se misturam na imaginação dos credíveis, de parvos que se assustam com bichos.
Aparentemente, não dava para continuar o seu emprego. Raras pessoas se interessavam nas qualificações de um súcubo, por muito admiráveis que fossem. Mesmo assim, alimentado pelo néon, decidiu insistir no seu desejo de perturbar a civilização.
Raptar crianças seria a solução. Mas desta vez não foi só buscá-las à mente, nada disso. Penetrou bem fundo no quarto dos pequenotes da porta ao lado e teve a sorte de encontrar trigémeos. Tinha fingido o procedimento tantas vezes que agora a realização era tremendamente natural.
Executou o plano na perfeição, dedo após dedo, mão no gatilho, pé na almofada, unha na fumarenta faca, deixando que a mutilação o comandasse.
Os hemisférios brigavam em uníssono perante toda a idiotice. No fim, só ficaram as sardas pimponas a tentar equlibrar-se nas feições decepadas. Caras de espanto dos pais pela atitude:
"Que indecência! Nem sequer deixou um recibo!"
Claro que não. Cicatrizes valem mais que papel.

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